Foto: Vinicius Becker
Pontos de encontro reuniram centenas de moradores da região
Às 10h desta quarta-feira (22), o som de uma sirene rompeu o silêncio de uma manhã ensolarada em Agudo, Dona Francisca e Nova Palma. O alerta marcou o início do simulado de evacuação das Zonas de Autossalvamento (ZAS), para possíveis casos de rompimento da barragem da Usina Hidrelétrica de Dona Francisca.
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O exercício prático, organizado pela Dona Francisca Energética SA (Dfesa), mobilizou moradores, prefeituras, Defesa Civil Estadual, entre outras autoridades. O teste buscou medir, na prática, quanto tempo a população levaria para deixar as zonas de risco e chegar aos pontos de encontro definidos em caso de emergência.
A reportagem do Diário acompanhou a atividade ao lado de moradores da localidade de Nova Boêmia, em Agudo, uma das áreas diretamente envolvidas no treinamento. Durante o simulado, o acesso à comunidade, que fica às margens do Rio Jacuí e do Arroio Corupá, onde uma nova ponte está sendo construída após os danos das enchentes de 2024, ficou bloqueado por cerca de uma hora.
O simulado
A Zona de Autossalvamento (ZAS) é a área mais próxima à barragem, onde o tempo de resposta em caso de emergência é curto e a população precisa agir imediatamente, antes da chegada das equipes de resgate. Na região da Usina Dona Francisca, integram a ZAS as comunidades de Nova Boêmia e Picada do Rio, em Agudo; Linha Ávila e Trombudo, em Dona Francisca; e Caemborá, em Nova Palma. Cerca de 650 pessoas vivem na região, segundo estimativa de 2024 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Durante o simulado, moradores deviam seguir as orientações da Defesa Civil para deslocar-se aos pontos de encontro indicados pelas placas instaladas nas comunidades. A atividade integra o Plano de Ação de Emergência (PAE) da usina, que estabelece os protocolos de segurança e comunicação em situações de risco. O plano foi o mesmo que chegou a ser acionado em abril de 2024, durante as enchentes que afetaram a região central do Estado, ocasião em que a barragem suportou vazões históricas do Rio Jacuí, mas não apresentou danos estruturais.
Segundo a Defesa Civil e a empresa responsável, a realização periódica desses simulados é essencial para garantir que os moradores conheçam, na prática, as rotas de fuga, os sinais de alerta e os locais seguros em caso de necessidade real de evacuação.

O ponto de encontro
Durante o simulado, a reportagem do Diário acompanhou o casal Élio Célio Mattje e Evani Nair Mattje, ambos de 71 anos, aposentados, moradores de Nova Boêmia. Quando a sirene tocou, às 10h em ponto, eles saíram de casa e seguiram, de carro, por aproximadamente 850 metros até o ponto de encontro.
Após certa tranquilidade na maior parte do trajeto, o caminho orientado pelas placas revelou uma das dificuldades do plano: a subida íngreme e estreita até o local indicado como ponto de encontro, de difícil acesso até mesmo para veículos. No alto, uma residência foi utilizada como referência. Por lá, um fiscal da prefeitura, a serviço da Defesa Civil de Agudo, cadastrava as identidades dos participantes. Das cerca de 20 pessoas esperadas, apenas nove compareceram. O servidor fazia perguntas como “foi fácil chegar até aqui?” e “você encontrou as placas de orientação?”.
A maioria dos presentes era de adultos e idosos, com idades entre 50 e 75 anos, além de alguns adolescentes. No ponto de encontro e na maior parte da região, não há sinal de telefone. Este aspecto mostra a importância de se dirigir ao local em uma situação real, visto que o ponto já está mapeado pelas autoridades.

A experiência dos moradores
Após o simulado, o casal de moradores retornou para casa, ainda com o som da sirene que anunciava o fim da atividade. Evani avaliou o exercício como positivo, mas percebeu pouca adesão.
– Acho que vai funcionar. Eu achei tranquilo. Nós fizemos a nossa parte, que era ir até o ponto de encontro. É uma coisa que pouca gente fez, podia ter bem mais participantes – avaliou a moradora.
Já Élio destacou que, apesar da importância do simulado e do ponto de encontro, o trajeto pode ser um obstáculo em dias de chuva:
– É difícil. E se fosse em período de chuva, de carro já não sobe lá. E se (o rompimento) é mais previsto de acontecer quando tem enchente, aí interrompe a estrada. Aquela vez da enchente (em 2024), ali não tinha acesso. Nem o morador saía de carro – contou o aposentado.

Élio também lembrou do episódio das enchentes de 2024, quando deslizamentos bloquearam estradas e isolaram vizinhos:
– Esse morro cobriu quase toda a casa dos vizinhos. Ali é deslizamento direto. Se for que nem hoje, um dia bom e de tempo seco, tranquilo. Mas se fosse em tempo de chuva, dificulta. Todo mundo que mora nessa encosta não iria para o ponto de encontro, só subiria o cerro em qualquer lugar – disse.
Mesmo assim, ele acredita que, em caso real, a reação seria diferente:
– Se der pra ir, o pessoal vai. Não é que nem hoje, que foi pouca gente. Se a água vem vindo, o pessoal corre. Porque ali o pessoal fica e pode vir recurso, com helicóptero, que nem daquela vez da enchente – completou.
Questionado sobre o que mudou desde as enchentes do ano passado, ele foi direto:
– Ficou tudo a mesma coisa. Não mudou nada. O pessoal não acredita que pode dar outra igual. Se viesse uma chuva daquelas, o pavor ia ser o mesmo. Se prevenir para uma coisa assim é difícil. Só se sair do lugar e morar em outro.

Avaliação das autoridades
Segundo a Dfesa, responsável pela operação da usina e pelo simulado, o exercício teve caráter preventivo e educativo. A empresa não informou a quantidade de pessoas mobilizadas pelo simulado, mas reforçou que a barragem está totalmente estável e sem qualquer risco, e que o exercício não tem relação com as chuvas que afetaram o Estado no ano passado.
"Com o compromisso de garantir a segurança das comunidades localizadas nos municípios de Agudo, Dona Francisca e Nova Palma, foi realizado um simulado de evacuação da Zona de Autossalvamento. O simulado, conduzido em conjunto com a Defesa Civil, tem caráter preventivo e educativo para garantir que a população saiba como proceder em caso de emergência, incluindo o acionamento das sirenes, as rotas de fuga, os pontos de encontro e os procedimentos de proteção", informou a empresa em nota enviada à reportagem.

De acordo com o tenente-coronel Rafael Gonçalves Pereira, da 3ª Coordenadoria Regional de Proteção e Defesa Civil de Santa Maria, o simulado foi considerado positivo e representou o fechamento de um ciclo de treinamentos com as comunidades da área da usina.
– O exercício contou com a colaboração da comunidade local e foi organizado pela empresa responsável pela hidrelétrica, juntamente com a Defesa Civil do Estado, as prefeituras de Dona Francisca, Agudo e Nova Palma. Também participaram o Corpo de Bombeiros Militar, a Brigada Militar, o Exército Brasileiro e escolas da região. O resultado e o número de participantes serão divulgados nos próximos dias, após a coleta final de dados. Foi um exercício de suma importância para a região – afirmou.
O coordenador da Defesa Civil de Agudo, João Francisco Marques, destacou que o município organizou 15 pontos de encontro e mobilizou 30 servidores e voluntários.
– Correu tudo certo. A gente estima que mais de 50% das pessoas compareceram. Havia cerca de 450 moradores convocados, e acreditamos que entre 260 e 270 participaram. Apenas dois pontos ficaram sem receber ninguém. A contagem final ainda será feita pela usina – explicou.
Para o prefeito de Agudo, Luís Henrique Kittel (PL), a atividade demonstrou, principalmente, o comprometimento de todos os envolvidos:
"O simulado foi um exemplo de como a união de esforços salva vidas e uma oportunidade para colocar em prática planos que, em caso de emergência real, podem fazer toda a diferença. A cada sirene que soava, víamos pessoas aprendendo, famílias se orientando, crianças e idosos entendendo como agir. Por muitos anos, essa pauta foi tratada como algo distante, algo que só importava quando a tragédia já havia acontecido. Mas as lições que o Rio Grande do Sul viveu em 2024 mudaram para sempre a forma como olhamos para a prevenção", afirmou em comunicado enviado à reportagem.
